segunda-feira, 28 de julho de 2014

O dia do teste de HIV

Sou do tipo de pessoa falha, dessas que fez algumas vezes sexo sem utilizar camisinha. Nem vou justificar o porquê, não existe nenhuma razão para isso. Eu sempre soube o risco ao qual eu e meus parceiros estávamos correndo. Do mesmo modo que sempre me foi acessível a segurança das minhas transas casuais. Mesmo assim a gente arrisca, inconsequentemente e pensando no momento. E quanto ao risco de saber se fui contaminado, por mais indesejado que isso fosse, nunca dei muita importância. Razão para isso é que o risco de uma doença sexualmente transmissível nunca foi tão grande, no meu julgamento irresponsável, uma vez que abrir mão de preservativo comigo sempre foi eventualidades e meus parceiros em principio pudessem estar "limpinhos". 
O tempo passou e informações foram chegando a mim, informações do tipo pessoas que iam àquela balada e que morreram em decorrência da AIDS, o aumento das contaminações com o vírus no Brasil em tempos que ao redor do mundo as mesmas estão caindo, as possíveis curas se mostrarem frustradas, como é o caso do bebê do Mississipi. Depois um avião com vários cientistas da área que cai e mata todos.

No começo o que era pequenos pensamentos vão ganhando proporcionalidade. Aqueles pensamentos do tipo eu fiz e nada aconteceu vão virando eu fiz e não tenho certeza. Eu fiz, mas pode existir um risco. Os riscos estão cada vez maiores, principalmente no grupo social do qual eu faço parte. O HIV não tem cara e eu não sei a verdade...

Enfim, pensamentos que no decorrer de uns meses foram tomando a paz dos meus sonos, me fazendo sentir alguém talvez sujo, mas sem ter certeza. Olhar um rapaz na balada e pensar que talvez o não merecesse, pois eu podia estar contaminado, não saber, e por mais que utilizássemos preservativo ele tinha o direito de saber a verdade sobre mim (ou não?).

Pensei na possibilidade de fazer o teste de HIV, podia dar negativo é verdade, mas e se desse positivo? Eu não estava pronto para digerir essa possibilidade e de verdade ainda não estou. Como levaria tal notícia aos meus pais? Minha mãe principalmente, super protetora e emocional para com o mundo e principalmente para com o único filho que ela tem e do qual ela ainda está digerindo a homossexualidade. Os amigos, quem sobraria como meus amigos depois disso? Os parceiros sexuais com os quais tive contato sem camisinha, o que eles fariam quando eu contasse a eles? Deveriam ficar sabendo? Que novos comportamentos afetivos, sexuais eu teria que tomar dali pra frente?

Enfim, a cada noite, semanas após semanas, a vontade de saber minha sorologia ia de maneira angustiante tomando o meu sono. Mas na mesma proporção a minha covardia ia me impedindo de conhecer a verdade, consolando a mim na minha ignorância sobre o meu eventual risco de estar contaminado e assim, por isso aos poucos ir morrendo comprometendo minha saúde.

Compartilhei o medo com alguns dos meus amigos e todos incentivaram fazer o teste, a despeito da minha coragem, ou falta dela. Mas tudo bem, dia do Brasil e Alemanha, véspera de inaugurar este blog, vou ao CTA da minha cidade. Exame só no dia seguinte, aquele era dia de jogo e o Brasil costuma não funcionar no dia de jogo. Preencho a ficha para voltar no outro dia, mas eu não voltei porque o meu medo me impedia de voltar a um lugar em que minha cabeça pende o olhar para o chão, o ar é frio, é escuro, apesar das lampadas florescente, e que muitos dali são contaminados ou eventuais contaminados.

Passa-se o tempo... não dá para ficar calmo.... chega ao ponto que definitivamente eu não tenho mais sono. Nem coragem de compartilhar outra vez com as pessoas sobre a minha covardia.  Chegou uma terça-feira, sem dormir direito, sem comer direito, entro no bate-papo e encontro um rapaz soropositivo. Entrei justamente para isso. Começo a conversar com ele como seu eventual parceiro sexual, embora me desse medo até mesmo pensar nele nu. E é interessante como as mentalidades mudam. Noto que ele parte do pressuposto que todos os que vem conversar com ele também são soropositivos quando ele me pergunta a quanto tempo eu estou contaminado.

Sinto uma grande vergonha de mim, uma vez que não sou nada disso do que ele está pensando. Falo a verdade, eu não sei minha sorologia e estou apavorado com a minha dúvida e com o medo de descobrir a verdade. Pensei que ele pudesse ser hóstil ou magoado com isso, mas não. Sou materialista, não acredito nisso, mas se eu acreditasse, ele foi um anjo enviado pelo destino para iluminar com uma lamparina a escuridão da minha imensa dúvida. Obviamente, todas as horas que conversamos juntos não foram suficientes para trazer a plenitude da minha paz de espírito. No entanto, foi mais tranquilizante, ou apavorante, vê-lo na webcam e perceber que ele tem cara de gente como a gente. Trabalha, estuda, paga o financiamento do seu 0 Km, porém, tem uma rotina e uma consciência as quais me assusta saber que também podem ser pertinentes a mim.

Tudo bem, o dia amanhece, ouço meus pais saindo para o trabalho, o que me deixa mais apavorado. Tento dormir até que lá para as 9:00 hs eu consigo sair da cama, depois de não dormir. E me sentindo doente consigo comer alguma coisa, tomar banho, me vestir e ir ao ao CTA. Chego lá e falo da minha condição psicológica, do meu medo dominante. O teste rápido só a tarde, pela manhã só teste completo, cujo resultado é para dali 15 dias. Faço o teste completo, justifico a todos que consigo esperar por 15 dias, mas a grande verdade é que a minha coragem era o medo de voltar a tarde e descobrir ali se minha vida mudaria.

Volto pra casa, tento cochilar, tento comer, tento assistir Grey's Anatomy (7ª Temporada quando a Meredith Grey vive o dilema de fazer o teste e saber se o gene do Alzheimer de sua mãe pode ser passado ao seu futuro filho). Não dá! aquele alarme que a evolução coloca em nossa organismo, o medo, continua dominando. Mãos geladas, coração rápido. Evolução que inventou um vírus que ninguém consegue destruir.

E assim volto ao CTA, dirigindo no longo e estressante trânsito do final do horário de almoço, errando marchas e esquecendo por instantes o caminho. Chegando lá o clima é outro, não sei se melhor ou pior. Existem muito mais pessoas buscando o mesmo que eu, testes para HIV. Muitas dessas pessoas são como eu. Começo a jogar como forma de distrair. Não adianta, o coração vai disparando, disparando, a voz sumindo, as mãos vão tremendo, as pessoas vão notando o meu nervosismo. Converso com uma moça, também cara de gente como a gente, que vai saber seu resultado nos próximo minutos e dizendo para eu ficar calmo, pois ela teve um parceiro que morreu em decorrência da AIDS e eu só tinha um Se na vida.

Chega o momento que eu sento no chão e começo então a hiperventilar, as pessoas perguntam se eu quero água, se eu quero um médico e meu deus, eu estou caído, inerte e passando mal. Mãos vão dobrando, nada me obedece, entro na assistência social empurrando a mim mesmo, as pessoas, pisando em ovos pedem que eu fique calmo e respiro. Não aguento e choro, nunca na minha vida senti tanto pavor.

Consigo a guia para fazer o teste rápido. O sistema da prefeitura caí e espero horas pelo que deveria ser rápido. E ligam perguntando a atendente sobre o resultado de teste de carga viral... é impressionante como nesta hora não tem nada que abduza a gente daquele contexto.

Passa-se o tempo e a finalmente vou fazer o teste, furam o meu dedo, colocam o meu sangue no material de medição. Pedem para eu ir esperar, pois podem precisar de mim outra vez. Uma expressão clara de pisar em ovos. Só precisam outra vez dos pacientes aqueles nos quais o primeiro teste deu positivo. O tempo passa, e a bichinha cabeleira atende o telefone dizendo à amiga onde está, no posto de saúde fazendo inalação devido o tempo. Olha para mim que presto atenção na conversa inocentemente e eu olho para o teto com vergonha e olho as horas e me levanto, olho a avenida lá fora, o sol das quase 5 horas e a biomédica grita o meu nome e pede que eu vá até à Assistência Social. Deu tudo certo?

Chego até lá, a assistente imprime o exame, entrega a enfermeira e me leva a sua sala, aquela onde tem cartazes com foto das DST nos órgãos genitais. Ela faz algumas considerações e diz, seu exame deu Negativo. É brega falar isso, mas achei o branco daquele consultório muito bonito e a luz do sol que entrava pela janela e que batia nos fios da enfermeira. Vou embora, feliz, alegre por saber exatamente onde está o ponto da embreagem e as marchas do carro.

A noite no Skype encontro o menino positivo. Ele me pergunta sobre o exame e eu digo. Ele pergunta se eu abracei minha mãe, o meu cachorro e me dá uma bronca, para que nunca mais eu me coloque em tal situação. Sinceramente, o achei tão lindinho e até quis dizer isso a ele, mas minha coragem foi apenas a de sugerir um dia para dividirmos um balde de Heineken (dirigir os nossos carros de volta pra casa, sujeito a um teste do bafômetro, o que seria sorte diante da possibilidade uma colisão e de machucar alguém ou a nós mesmo).

Didático foi? Com toda certeza, tanto medo, tanto sono perdido, tanta coisas que vivenciei meu trouxe mais responsabilidades. Vergonha de tudo o que passei não sinto, aliás, penso que nem faz sentido sentir vergonha. Porém, ainda assim foi traumático e do mesmo modo que não consigo pensar em sexo, pensar nele sem camisinha me dá uma sensação semelhante a de pensar na morte.

4 comentários:

  1. Quantas outras infinitas DSTs até mesmo piores que a AIDS você já pode não ter contraído? Ou pior, transmitido? Não adianta, não existe justificativa para transar sem camisinha.

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  2. Pois então, Thiago, não estou justificando o meu ato. Apenas discorrendo sobre as consequências que o mesmo tomou, bem como poderia ter provocado.

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  3. gente, me deu uma dor no coração ler que vc passou por tudo isso. vontade de estar lá com vc e segurar sua mão pelo menos. Eu entendo, quando fiz o ultimo teste eu fiquei com medo também, sua vida passa todinha pela sua frente enquanto vc vai buscar o exame, todos os erros, mas eu não estava com tanto medo assim. O meu também deu negativo, ano que vem eu farei outro (eu faço anualmente, e sugiro que vc também faça, se expondo ou não, vai te ajudar a controlar todo esse medo).

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    1. Olá Foxx,

      Não sei, o dilema que eu sentia era tão grande que eu nem conseguia dizer aos meus amigos que estava ali fazendo o teste. A vergonha e o medo de der positivo, ah sei lá. Tanto é que penso que dizer que eu estava fazendo inalação devido o tempo seco, como o outro rapaz lá no laboratório, era uma desculpa que eu perfeitamente utilizaria.

      Penso que o teste anual também torne-se uma constante em minha vida, muito embora de lá pra cá eu tenho ficado bem mais conservador nos meus relacionamentos sexuais.

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